Por Ana Lúcia Medeiros
Especialistas alertam: além de piorar a qualidade do ar e ameaçar o bioma, as queimadas vão encarecer os alimentos. É urgente a adoção de medidas por autoridades e por cada pessoa da sociedade
Em 11 de setembro se comemora o Dia do Cerrado. Mas como celebrar a data, quando queimadas deixam tantas cicatrizes? São aproximadamente 1.200.000 hectares do Cerrado atingidos pelo fogo somente no último mês de agosto, segundo dados divulgados pelo MapBiomas.
A esperança de mudança do quadro de devastação pode estar em uma Proposta de Emenda à Constituição. Pronta para ser votada desde 2013, no Plenário da Câmara dos Deputados, a PEC 504/10 (e três outras propostas apensadas) reconhece o Cerrado e a Caatinga como patrimônios nacionais, contribuindo com dois itens básicos: salvar vidas e incentivar o desenvolvimento das regiões, a exemplo do que já ocorre com biomas predominantemente florestais, como a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira.
O retardo de onze anos na votação é motivado pela resistência das bancadas ligadas a setores produtivos como o agronegócio. Deputados fazem nova articulação para a aprovação da chamada PEC do Cerrado e da Caatinga, com argumentos reforçados pelo compromisso com a defesa e valorização de distintos biomas na Conferência da ONU sobre Mudanças do Clima, a COP-30, prevista para 2025 em Belém, no Pará.
Os defensores do texto argumentam que o reconhecimento como patrimônio nacional pode ampliar as políticas públicas de proteção ao Cerrado e à Caatinga, ricos em biodiversidade, apontando dados que reforçam a necessidade de aprovação da emenda, como a biodiversidade do Cerrado com mais de 12 mil espécies de plantas.
A esses parlamentares que defendem a PEC 504/10 somam-se entidades socioambientais e representantes dos ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário, reunidos em audiência recente realizada na Câmara dos Deputados.
Para a coordenadora-geral da Rede Cerrado, Maria de Lurdes Nascimento, todos os biomas são igualmente importantes para salvar a vida. E não apenas os biomas predominantemente florestais, como a Amazônia. Seguindo essa perspectiva, o diretor do departamento de combate à desertificação do Ministério do Meio Ambiente, Alexandre Pires, defende que a PEC tem papel crucial no atual contexto de mudanças climáticas e de valorização da sociobioeconomia e da agroecologia.
As queimadas no Cerrado e o aumento do preço dos alimentos no país
Existe relação entre as queimadas e o consequente aumento no preço dos alimentos? A reposta é “sim”. Gustavo Defendi, especialista em inteligência de mercado e negócios, analisa que os impactos das queimadas nas áreas de cultivo do Cerrado são invitáveis e devem pressionar os preços dos alimentos em todo o país com aumento considerável já nas próximas semanas.
Defendi, que atua há mais de duas décadas no mercado de cestas básicas, explica que as queimadas, aliadas à falta de chuvas e ao manejo inadequado do solo, provocam a destruição de áreas agrícolas e pastagens, prejudicando não só a qualidade do ar, mas também o cultivo de alimentos e a criação de gado.
O especialista observa que o atraso na percepção dos efeitos econômicos das queimadas se deve à complexidade de avaliar, em tempo hábil, as perdas na produção agrícola e os efeitos nas cadeias de abastecimento: "as áreas afetadas não só perderam produtividade imediata, mas também enfrentarão dificuldades no manejo das próximas safras, o que naturalmente se refletirá nos preços ao consumidor final", ressalta.
A expectativa do especialista é a de que o impacto das queimadas torne ainda mais desafiador o controle dos preços dos alimentos, forçando o mercado a reajustar suas estratégias, exigindo que as famílias brasileiras adaptem seus hábitos de compra: "o cenário de aumento de preços, não é apenas temporário, mas possivelmente prolongado, dependendo da recuperação das áreas afetadas e das condições climáticas futuras", alerta.
Incêndios criminosos?
De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados mais de 107.000 focos de queimadas no país em 2024, o que representa um aumento de 75% em relação ao mesmo período do ano passado. Os dados levantados pelo Inpe apontam cinco estados nas primeiras posições: Mato Grosso, Pará, Amazonas, Mato Grosso do Sul e Tocantins.
“A única fonte de ignição natural é o raio. Se houver qualquer fogo em um período que não tenha raios, foi provocado por humanos”. A observação da professora Isabel Belloni Schmidt, do Departamento de Ecologia da UnB, sugere que há indícios de ação humana na tragédia ambiental que assola os biomas de várias regiões do país, com registro recorde de focos de incêndio.
Tendo como ponto de partida a lógica adotada pela professora Isabel Belloni, pode-se inferir que sempre haverá um culpado, seja ele um agente criminoso ou uma esfera pública que deixou de mitigar os riscos em local com potencial foco de incêndio.
A Polícia Federal já abriu inquéritos para apurar se são criminosos os incêndios ocorridos em 2024. Trata-se de uma investigação criteriosa, que precisa considerar as especificidades regionais, como explica a especialista em Direito Ambiental, Luciana Lara: “a Legislação ambiental é diferente por estados e biomas”.
Como é calculada a reparação do dano? Da mensuração ambiental aos prejuízos financeiros e problemas de saúde, a reparação do dano se dá por meio de ação civil pública e tende a responsabilizar não apenas os causadores do incêndio, mas também esferas responsáveis pela prevenção de focos de incêndio e o combate ao fogo.
Portanto, não estamos em terra sem lei. O sofrimento é generalizado e as punições são previstas e aplicáveis. Ações isoladas em defesa da vida são louváveis e merecem ser vistas e, quiçá, imitadas. É o caso da Associação dos Moradores do Lago Oeste, em Brasília, que desenvolve um trabalho educativo com a população local, apresentando dicas de como evitar incêndio e também mostrando como denunciar indícios de focos que podem rapidamente se alastrar e tomar grandes proporções.
Veja algumas dicas de prevenção para evitar incêndios florestais:
* Com informações do Observatório do Clima, Agência Câmara e Andes.
Realmente é alarmante o excesso de queimadas que está ocorrendo, o que exige um maior investimento em monitoramento e educação ambiental .
É a única forma de conter essa devastação.