Solução para o uso excessivo de plástico pode estar em pequenas ações cotidianas e em decisões políticas consensuais a serem tomadas no Tratado Global de Combate à Poluição Plástica que será realizado em novembro na Coreia do Sul
Por Ana Lúcia Medeiros
“Não preciso da sacola, obrigada. Cada vez mais, evito o uso de saco plástico. Adquiri o hábito e vi que, de fato, não me faz falta”, diz a cliente à vendedora da loja de cosméticos, enquanto coloca os produtos na sacola de tecido, que carrega na bolsa aonde quer que vá. Enquanto finaliza a compra, pergunta à vendedora: “você ainda usa sacolas plásticas?”. Incomodada com a incitação, a vendedora faz cara feia, responde positivamente com a cabeça e dá agilidade à entrega da nota à cliente de hábito esquisito, que confirma a excentricidade ao acrescentar. “Não preciso do papel. Envie a nota fiscal para o meu e-mail que está cadastrado no sistema, por gentileza”.
O diálogo entre consumidora e vendedora revela que o uso de embalagens plásticas ainda está muito incorporado aos costumes no comércio das cidades brasileiras. A compra de um produto qualquer, muitas vezes envoltos em plástico resistente, vem sempre acompanhado de uma embalagem descartável. São inúmeras situações que podem ser observadas. E são poucas as pessoas preocupadas em reduzir o consumo do chamado “plástico de uso único” na rotina cotidiana.
Pequenas ações individuais e coletivas, além de decisões políticas contribuem decisivamente para evitar que o oceano seja inundado de microplástico, o sistema de esgoto das cidades se sobrecarregue causando enchentes e que o ar e os alimentos sejam contaminados com plástico. Os riscos aos quais estamos expostos encontram base em
dados levantados pela WWF, que se mobiliza para evitar o uso indiscriminado dos plásticos. De acordo com a organização de conservação global, a poluição plástica já está fora de controle e, se continuar no ritmo atual, vai triplicar até 2040.
O Greenpeace também mostra indicativos de que é necessário diminuir o consumo do produto. Os números que a ONG levanta apontam que mais de 500 milhões de toneladas de plástico são produzidas anualmente e mais de 4 mil produtos químicos utilizados na fabricação de plásticos são considerados perigosos para a saúde e para o meio ambiente.
Os alertas sobre o uso indiscriminado de plástico e suas consequências para a vida humana e o meio ambiente suscitam uma aproximação de posições governamentais e instituições privadas para que ocorram possíveis consensos em busca de soluções para o problema.
O Tratado Global e o enfrentamento dos desafios
Os desafios podem encontrar consenso em debate a ser realizado em novembro próximo, em Busan – Coreia do Sul, na quinta rodada das discussões dedicadas ao estabelecimento do Tratado Global de Combate à Poluição Plástica chancelado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
O Tratado é uma oportunidade de criação de uma solução global para a crise da poluição plástica e dá continuidade à mais recente rodada de discussões realizada em abril, no Canadá, com as delegações de diferentes países, que conseguiram definir quais pontos serão incluídos no texto do acordo a ser firmado em novembro na Coreia do Sul, que deve resgatar dois aspectos críticos não debatidos à exaustão no encontro de abril: a proibição dos artigos de plástico evitáveis de alto risco e a redução da produção de plástico.
Participam dessas discussões os governos dos países filiados à ONU, mas também, no papel de observadores, entidades, empresas, pesquisadores, sejam eles componentes da cadeia do plástico ou interessados nas questões ambientais. O primeiro grupo é liderado pelos países europeus; do outro lado, destacam-se grandes produtores de plásticos e outros produtos de origem fóssil, como China e Rússia, mas também os Estados Unidos.
A Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) é um dos órgãos do governo brasileiro que participam das discussões, ao lado do Itamaraty (Relações Exteriores) e do Ministério do Meio Ambiente.
Uso indiscriminado do plástico como ameaça à vida
Práticas incorporadas à rotina das cidades, como a comercialização de alimentos em embalagens plásticas e plástico de uso único, são danosas para a saúde do meio ambiente e da população. Que consequências negativas o hábito aparentemente inofensivo pode gerar?
Matar a vida selvagem
Contaminar os alimentos, o ar e a água
Sufocar os rios e oceanos
Danificar o solo
Envenenar as águas subterrâneas
Causar sérios impactos na saúde
Microplásticos: perigo sem medida
Os microplásticos são minúsculos fragmentos de plástico menores que 5 milímetros
provenientes da decomposição e outros processos que os transformam nesses micropedaços.
Pela primeira vez, pesquisadores encontraram microplástico no cérebro humano. Estudo
desenvolvido na Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), em parceria com outras instituições, identificou a presença de resíduos como fibras e partículas de plástico em
pessoas que sequer tinham contato com a indústria de produção do material. O polipropileno foi o material mais encontrado. Ele é usado em roupas, embalagens de
alimentos e garrafas e pneus, que liberam partículas que são inaladas ao respirarmos.
Os microplásticos já foram encontrados em órgãos como pulmões, no sistema
reprodutivo e até na corrente sanguínea dos seres humanos. A presença no sistema
nervoso chama a atenção dos pesquisadores por ser um dos mais protegidos do corpo
humano devido à barreira hematoencefálica, estrutura que regula o transporte de
substâncias entre o sistema nervoso central e o sangue. Outros estudos apontam um
risco quatro vezes maior de problemas cardíacos graves e morte em pessoas com o
coração contaminado pelo microplástico.
Os pesquisadores alertam que as partículas podem assim ser internalizadas pelas células
e interferir em seu metabolismo, o que eleva os riscos à saúde, principalmente em
crianças com o cérebro em desenvolvimento – o que pode causar alterações irreversíveis
na fase adulta.
Como contribuir no combate à poluição plástica
Pequenas ações cotidianas aparentemente isoladas, quando somadas, geram resultados
significativos no controle da poluição plástica. A inclusão de hábitos simples na rotina
faz a diferença. Como agir individualmente?
Reduzir o consumo de plástico
Comprar comida a granel
Evitar os produtos que tenham embalagens de plástico
Evitar o contato de crianças com brinquedos de plástico, especialmente aquelas
que colocam os objetos na boca
Substituir os recipientes de plástico pelos de metal ou vidro
Evitar o uso de cosméticos que tenham em sua composição microesferas de
plástico
Apoiar organizações que trabalham para erradicar o plástico dos mares e
oceanos
Participar de jornadas de limpeza de rios, praias e mar aberto
A iniciativa privada como parceira
Proteger os oceanos e reforçar o compromisso com a sustentabilidade. Essa foi a
decisão que a marca Natura Kaiak tomou, em 2022, ao relançar as embalagens com
plástico e vidro reciclados. Desde então, foram utilizadas mais de 185 toneladas de
plástico reciclado nas embalagens do produto, o equivalente ao peso de 94 milhões de
tampinhas plásticas.
Com essa visão sustentável, a empresa faz parecerias para colocar a marca no centro das
principais competições de surfe do mundo e promover a conscientização sobre os desafios ambientais enfrentados pelos oceanos e, assim, contribuir com a preservação e a despoluição dos mares.
Para preservar os oceanos, a Natura também adota parcerias com cidades litorâneas. A
rotina nessas cidades é organizada da seguinte forma: o plástico utilizado na produção
das peças é recolhido por cooperativas dessas cidades, impedindo que cheguem até os
oceanos. O resíduo coletado é enviado para empresas parceiras, que fazem a reciclagem.
O material pós-uso é transformado em matéria-prima para a composição de parte das
embalagens da marca, que investe em inovação, com um time focado em ecodesign,
cujos frascos têm válvula rosqueada, possibilitando que o recipiente seja separado da
tampa, facilitando a reciclagem.
Um passo que, somado a tantas outras ações cotidianas, como a da cliente que se recusa
a usar sacolas plásticas na loja de cosméticos – citada no início deste texto –, contribuem para estimular o consumo consciente e, consequentemente, reduzir o excesso de plástico e melhorar a vida no planeta.
* Com informações de CRQMG; WWF; Natura; Jornal da USP.
Excelente texto filho e de fácil solucao! Imagino, ! que uma boa campanha despertaria esse mundão de Deus, e todos participariam
Ótimas iniciativas. Espero que prosperem, pois o meio ambiente não suporta mais.
Urge que se comece!
É verdade. Pequenas atitudes cotidianas podem nos livrar de situações catastróficas como vemos acontecer cada vez mais frequentemente. É muito bom ver que existem iniciativas governamentais e privadas para evitar as consequências do uso excessivo de plástico.