Dia 19 de novembro é a data escolhida pela ONU para marcar o Dia Mundial do Banheiro. É também o momento de celebrar o Dia Mundial do Saneamento. Mas há razões para comemorações no Brasil?
Por Ana Lúcia Medeiros
Enquanto 0,6% da população do país pode escolher a iluminação, o revestimento e o espelho que melhor se adequem às tendências de decoração dos banheiros de sua residência, 1,2 milhão de pessoas com residência fixa não têm banheiro no país, como mostram dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O Censo 2022 aponta, ainda, que as restrições de acesso a saneamento básico são mais representativas entre adolescentes e jovens, pretos, pardos e indígenas das regiões Norte e Nordeste do país.
Oficialmente, saneamento básico diz respeito a serviços de abastecimento de água; coleta e tratamento de esgotos; limpeza urbana; coleta e destinação do lixo; e drenagem e manejo da água das chuvas. O arquiteto Fúlvio Teixeira acrescenta a esses itens a circulação de ar e a boa qualidade do tráfego nas cidades que favoreçam o bem-estar populacional.
A falta de banheiro é apenas um dos elementos básicos que compõem o complexo sistema de saneamento básico e que comprometem a saúde e a qualidade de vida da população, impactando especialmente pessoas mais vulneráveis. Para Christianne Dias, diretora-executiva da ABCON SINDCON (Associação das Operadoras Privadas de Saneamento), “é essencial que o setor seja considerado prioritário para as políticas de saúde pública no país”.
O Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística compreende que falta banheiro na residência quando ela não dispõe de equipamentos sanitários adequados para que o esgoto domiciliar tenha destinação correta, conectada ao sistema de tratamento. E considera no cálculo apenas a população que vive em residências permanentes. Portanto, moradores em situação de rua não entram nos números do IBGE.
De acordo com o Sistema Único de Saúde (SUS), 70 mil óbitos são provocados anualmente por doenças que já poderiam estar erradicadas com a universalização de água e esgoto. Estudo da Organização Mundial da Saúde indica que a cada US$ 1 investido em saneamento se economiza US$ 5,50 em saúde.
Quem vive nas ruas não entra no cálculo do IBGE
A mulher que circula pelas quadras da Asa Sul, sempre usando roupa preta, não entra nos cálculos do IBGE porque não se sabe ao certo se ela tem residência permanente. Conhecida pelos comerciantes locais, a andarilha da Asa Sul é seletiva com os alimentos que consome. Funcionários das padarias ou garçons dos restaurantes locais sabem que ela recusa alimentos pouco saudáveis. Por isso capricham nas doações. O motivo da escolha na qualidade dos alimentos? Isso as pessoas sabem: a profissão de médica, que ela carrega na origem, mas que foi abandonada junto com a saúde mental. Ninguém sabe onde mora, se tem casa. O que se percebe é que a “dama de preto", como é conhecida por algumas pessoas, está sempre muito bem asseada. Que banheiro usa? Ninguém ousa perguntar à mulher de personalidade forte. O vestido preto também está sempre limpo. Não se sabe quantos deles ela possui ou onde lava, como guarda.
Ao contrário da “dama de preto”, o cheiro que as pessoas associam ao “velho do saco” é da falta de cuidados pessoais básicos. Costumava usar o banheiro da igreja, onde as pessoas o respeitavam e ao seu cheiro também. Lugar que parou de frequentar depois que alguns frequentadores da igreja ousaram levá-lo ao chuveiro e ensaboá-lo com um perfumado sabonete. Recentemente, após se acidentar nas ruas por onde andava em João Pessoa, foi adotado por uma sobrinha. Já com casa, comida e roupa lavada, sofreu um infarto. Antônio Serafim, 81 anos, morreu em condições dignas de existência. E teve seu nome estampado no jornal. Era conhecido, mas não estava entre as pessoas com residência permanente contabilizadas pelo IBGE em 2022 na categoria saneamento básico.
Já Abel Ferreira do Nascimento tem casa, profissão e endereço permanente. Está nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Divide com outras três pessoas o único banheiro da casa. Marceneiro, sabe transformar a cadeira de rodas, que ganhou de uma amiga, em uma sólida base para o carrinho que o acompanha nas aventuras em busca de material a ser reutilizado, gerando novas possibilidades de sobrevivência. Busca nas areias da praia o lixo que, ao mesmo tempo em que polui, gera possibilidades ao transformar em luxo. Gosta de fazer uma pausa para se reenergizar nas águas mornas do mar da capital paraibana, sempre com a certeza de que logo terá emprego fixo, assim como tem residência e família.
Também em situação de vulnerabilidade social, o guardador de carros costuma usar o banheiro da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Nas idas e vindas ao banheiro, descobriu um novo universo: os livros. Passou a cuidar também dos romances que o transportam para um mundo bem mais fascinante do que aquele de mendigar moedas de motoristas que sequer olham o seu rosto e prefeririam não ter sua presença nas ruas.
*Com informações da ABCON SINDCON
Qualidade de vida está mesmo muito associada a saneamento básico. É, de fato, importante que o poder público volte o olhar para isso.