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Ana Lúcia Medeiros

Não é sobre idade. É sobre saber viver

Atualizado: 20 de ago.

Em uma sociedade cada vez mais velha, seria a idade um empecilho para ser feliz? O exemplo de algumas pessoas revela que, independentemente da idade, importa viver o momento


Por Ana Lúcia Medeiros


O Brasil está envelhecendo. É o que revelam dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que adota como referência a faixa etária de 65 anos ou mais para uma pessoa ser considerada idosa. O Censo de 2022 mostra que 10,9% da população tem 65 anos ou mais. São 55 pessoas nessa faixa etária para cada 100 crianças de até 14 anos.  


Se levarmos em conta a máxima de que o processo de envelhecimento começa no momento em que nascemos, torna-se fácil entender que a vida deve ser aproveitada em cada segundo. E é sobre isso que tratamos aqui. Portanto, nada de pensamentos negativos, de sofrimentos por antecipação. O momento é agora. É isso que mostram pessoas que transformam situações difíceis em aprendizado e sabem aproveitar intensamente os instantes de alegria. São pessoas resilientes. E essas podem ter qualquer idade. É uma decisão pessoal e, consequentemente, coletiva, avaliam especialistas.



Ser feliz é tudo o que se quer

 

“Como você está?”. A voz alegre, a escuta atenta e as boas novas marcam os diálogos que Pontual mantém com quem quer que seja. A amiga de longa data, o porteiro, o colega do clube que frequenta há décadas, o professor de natação que encontra diariamente na piscina que fica bem ao lado de sua casa, as pessoas que encontra no café da Ceasa nas manhãs de sábado. Todas as pessoas importam igualmente. Aos 92 anos de idade, Luiz Carlos Pontual garante: “vivo um momento muito bom da minha vida”.


Em fase de mudança de endereço (sai da quadra 206 Sul para a 405 Sul), comenta, sorrido: “Gata, como a gente acumula coisas. São muitos livros... Vou doar todos. Ato penoso, porque amo os livros, que por sua vez farão bem aos meus filhos e filhas, netos e netas, bisnetos e bisnetas...”.


Um leitor voraz que não deixa de ler, apesar da perda da visão do olho direito. Sim, porque, além de ter um percentual da visão do outro olho, tem a companhia da leitora-mirim de 14 anos que contratou para ler histórias para ele. Com um detalhe: sob a condução do leitor mais experiente, que ensina como ler com a pontuação que torne a leitura mais agradável aos ouvidos, respeitando o estilo de quem escreveu cada palavra, cada frase na construção da obra. Método que herdou da avó.


Ao lado de Pontual, Thereza Negrão soma-se ao grupo dos que sabem viver. Professora aposentada, dona de um sorriso contagiante e de uma alegria sem fim, Thereza sorri até quando cai da frágil cadeira de plástico que não suporta o seu peso e escorrega no terraço da casa dos amigos que a convidaram para um almoço de domingo. Sabe transformar momentos.


Durante a pandemia da Covid-19, espalhou alegria nas postagens no Facebook, para quem quisesse uma boa companhia. “Dendicasa”, criou divertidas histórias, especialmente com o porteiro Paulinho, com quem dividia os pratos cuidadosamente preparados para cada refeição. Sobre como eram compartilhadas as refeições, nem é preciso dizer: a distância, respeitando os protocolos para evitar o tal coronavírus. Através da janela com a bela visão para o Lago Paranoá também foram contadas muitas aventuras durante os três anos de confinamento que não a abateram. Espalhou boas novas para os muitos amigos, familiares, os (ex)alunos – esses que se tornam seus amigos e não abrem mão de tê-la sempre por perto, mesmo que um vírus devastador os obrigue a manter distância física da querida professora, agora emérita (reconhecida pela relevância acadêmica) da UnB.




Como se não houvesse amanhã

 

Essa coisa da idade é mesmo questionável. Para a estudiosa do tema envelhecência, Dilma Simões Brasileiro, “idoso é também uma construção sociocultural”. A psiquiatra Ana Virgínia Batista entende que “existe a carcaça, que é aquilo que a pessoa aparenta por fora, que pode ou não estar visualmente associada à idade cronológica, e a idade que a pessoa, em suas ações, mostra ter”.


A Dra Ana Virgínia explica que, em um atendimento, ou em uma avaliação para fazer exame do estado mental do paciente, alguns psiquiatras, como é o caso dela, usam os termos “idade cronológica” e “idade aparente”.


E fazem essa comparação para observar se a idade cronológica condiz com a idade aparente, se a idade aparente é maior do que a idade cronológica. “Porque, de fato, a idade aparente é muito mais suscetível às questões ambientais: relações, possíveis traumas, como a pessoa se coloca no meio, o que ela faz de trabalho, de atividade prazerosa, de atividade física, pois isso impacta muito na idade que ela aparenta”, avalia a psiquiatra.


Algumas pessoas se sentem velhas, mesmo que com apenas duas ou três décadas de vida. Reclamam de dores que aparecem no corpo sedentário, da falta de motivação para aproveitar o dia. Outras gostam de viver cada momento, faça chuva ou faça sol, encontram razão para ser feliz em pequenos detalhes.  Seria a motivação para ser feliz um traço natural? Uma questão de incentivo desde a infância, do ambiente onde a pessoa está inserida?


O pequeno Ravi, de apenas um aninho de idade, dá lições de como aproveitar bem cada momento da vida. Seja com a bicicleta, nos movimentos velozes acionados pelos pés, que assumem o lugar dos pedais, seja nas provocações que faz aos cachorrinhos Buda e Kyoto, seus companheiros de jornada, seja ao se deliciar com os alimentos mais simples: adora quiabo cozido no vapor, manga cortada em cubinhos, uva, purê, milho cozido... O momento da refeição é uma festa. Tudo é festa. Quando o pai chega do trabalho, sobe na janela para ver, ansioso, aquele que é sua maior referência, o dono do relógio que o pequeno põe no pulso pra chamar de seu.



Estaria o sorriso de Ravi associado a uma rica história de vida? Mas como, com uma trajetória de pouco mais de um ano de idade? A parada cardiorrespiratória que teve na UTI neonatal, depois de um parto complicado, pode explicar essa força, esse desejo de ser feliz?


Para a médica Ângela Landwehr, “se pensarmos do ponto de vista fisiológico, quando alguém passa por um trauma, seja ele físico ou psicológico, ocorrem alterações hormonais que podem afetar a parte mental da pessoa, e ter também repercussões físicas. A partir daquele momento, dependendo de como a pessoa reage ao fator estressante, ela pode superar ou não; chegando algumas vezes a reviver os mesmos sintomas gerados pela ação traumática em diversas outras situações da sua vida. O uso de medicamentos pode ajudar temporariamente, algumas vezes. O mais importante é a atitude da pessoa perante a vida", atesta.


E acrescenta: "Não focar apenas nos fatos negativos ocorridos, mas tentar ver as coisas boas da vida, muitas delas bem simples do nosso dia-a-dia. Isso depende de cada um: da história de vida, situações vividas e como foram superadas. A pessoa pode usar o fato ocorrido, ou o sofrimento que passou, como uma forma de se superar e fortalecer perante a vida".


A Dra Ângela Landwehr cita um exemplo de superação: "Tive a oportunidade de acompanhar o caso de uma senhora idosa que vivia sempre com preocupações em relação aos filhos, já adultos, chegando algumas vezes a viver o sofrimento deles. Mas, após uma doença grave, que necessitou de internação prolongada, teve a oportunidade de refletir e repensar a sua vida. Desde então tem levado a vida de uma forma mais ´leve´, sem tantas preocupações, tentando apenas aproveitar os momentos prazerosos junto aos familiares e amigos, sem tomar para si os problemas alheios".


A médica sugere: "Importa vivermos o momento presente; usar os problemas do passado como lição e não ter medo do que possa vir no futuro”. 



É assim que podemos compreender no exemplo citado pela Dra Ângela Landwehr, da senhora que repensou o modo de encarar a vida, ou no exemplo do pequeno Ravi, que é muito pessoal a escolha de viver intensamente cada momento. Independentemente da idade.


No caso de Ravi, a avó Eliane Almeida observa que o ambiente ajuda a superar qualquer tipo de adversidade vivida ao nascer: “os cuidados pós-UTI foram fundamentais. Todo o sofrimento que ele vivenciou poderia gerar insegurança".


Mas vê no neto uma característica singular: "Ravi é uma criança ativa, com pais dedicados, que brincam com ele à moda antiga. Ele sabe, inclusive, a hora do banho de sol diário. Sem aceitar desculpa, chama a babá Neide para, juntos, aproveitarem o sol matinal com o ‘Dino-Dino’, a motoca em forma de dinossauro”, observa a avó.


O caso de Ravi mostra que o desenvolvimento saudável de uma criança tem vários fatores, com destaque para uma rotina dinâmica, alimentação saudável, vacinas e, principalmente, amor. Ah! O amor! Amor que tudo cura, tudo transforma.


 

Não importa onde a pessoa mora, que idade tem.

Importa saber gostar das pessoas e da vida

 

Gabriel mora em uma comunidade. Aos 11 anos de idade, sabe o que é ter disciplina e, principalmente, tem consciência do que deve fazer para ser feliz e deixar contentes as pessoas com as quais convive. Sabe que cuidar do outro é também cuidar de si.  


Das 7h às 11h, está na escola. Das 13h às 15h, tem reforço escolar. Das 16h às 17h30, brinca com os amigos. Gosta de jogar bola, pedalar e adora empinar pipa. Nas tardes em que a brincadeira é soltar pipa, todos ali sabem que devem usar linha 10. Só a linha 10 de algodão. Sem nada mais. Nenhum dos amiguinhos de Gabriel aprova o uso de cerol. Nada de misturar à linha pó de vidro e cola de madeira. 


Com voz tranquila e firme, Gabriel diz: “outro dia vi um motoqueiro que passava na BR morrer porque a linha com cerol, usada por alguns meninos, cortou seu pescoço”. Além de presenciar a cena forte, Gabriel viu um menino ser vítima de choque elétrico porque havia colado pó de ferro na linha da pipa. Ao tocar na fiação elétrica, a linha provocou o choque fatal na criança.


Certamente nem seria necessário presenciar duas situações tão dramáticas para saber que a pipa é um brinquedo para fazer as pessoas felizes. Não deve ser instrumento de destruição, de guerra, como foi, quando surgiu lá na China antiga (ainda antes de Cristo nascer), e continua a ser em alguns lugares do Brasil e do mundo. Usar cerol ou pó de ferro é adotar uma postura de que se quer a guerra. Essa consciência obtida tão cedo talvez seja reflexo do estilo de vida que Gabriel e seus amiguinhos escolheram: querem ser felizes e fazer felizes as pessoas.





 

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5 Comments

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Guest
Nov 05
Rated 5 out of 5 stars.

Que bela matéria! Quanta sensibilidade e cuidado! Teus textos são um primor, Ana!

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Guest
Oct 04
Rated 5 out of 5 stars.

Excelente texto!

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Guest
Aug 16
Rated 5 out of 5 stars.

Excelente! Obrigada pelo carinho com nosso pequeno! Tão pequeno e nos ensina tanto!


Ass. Paula Loureiro (mãe de Ravi)

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Guest
Oct 04
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Excelente texto, muito bem escrito.

Envelhecença, precisamos aprender a conviver com essa companhia, nem sempre desejada, porém inevitável…

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