Quem nasceu em Brasília nos anos 1960 ou 1970 cantou, ou pelo menos ouviu, uma paródia da música "Eu te amo, meu Brasil", de Dom e Ravel e interpretada pela banda Os incríveis. Em vez cantar a horrorosa "A praias do Brasil ensolaradas, lá, lá, lá", os adolescentes e jovens, e mesmo algumas crianças inocentes, cantávamos "Maconha no Brasil foi liberada, lá, lá, lá/até o presidente já fumou, lá, lá, lá/agora vou ficar na minha, vou tomar bolinha, com o governador/ eu te amo meu Brasil, eu te amo/ninguém segura a juventude do Brasil!"
Era muito bom ouvir aquilo! Que coisa genial. Em plena ditadudura do sanguinário general Médici, a garotada de Brasília, ou talvez do Brasil, mandava toda aquela porcaria de pseudo música para o fundo do barril e cantava a plenos pulmões: "Maconha no Brasil foi liberada!". Pensem nisso acontecendo no auge do regime militar? Pois acontecia. A paródia era cantada em ônibus, quando íamos para as colônias de concentração, ops, de férias, ou em qualquer evento que permitisse que uma multidão impedisse a punição do indivíduo.
Havia naquilo um claro tom de deboche, pois poucos realmente fumavam maconha, mas era uma rebeldia que já apontava para um Brasil real que não era o mesmo do falso milagre econômico ou dos telejornais chapa branca da TV Globo.
Lembrei dessa música ao ler que o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria hoje para descriminalizar o porte de maconha para consumo próprio. Nesta quarta-feira (26) deve-se definir a quantidade. Segundo a Carta Capital, o Supremo ainda tem de votar uma tese, da qual constarão os critérios para diferenciar usuário de traficante. É provável que, ao menos como transição, os ministros definam o porte de 40 gramas como divisor, a vigorar até o Congresso definir um parâmetro. 40 gramas é suficiente para fazer 80 cigarros, ou o equivalente a 4 carteiras de cigarro de tabaco. A descriminalização da maconha é ruim para a idústria tabagista, que finacia médicos para falarem mal da maconha. Pronto, falei!
O placar terminou em 6x2x3. Votaram a favor da descriminalização os ministros Gilmar Mendes (relator), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Dias Toffoli e Luiz Fux votaram no sentido de que a lei atual já não criminaliza o usuário (falta dizer isso aos PMs) e Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça votaram para que o consumo continue a ser criminalizado.
Só que descriminalizar a posse de maconha para uso pessoal não é a mesma coisa que liberar a maconha. É um avanço, mas ainda estamos longe do que fizeram alguns países, como o Uruguai ou Portugal - onde, aliás, a violência não aumentou, mas, antes, caiu com a liberação da maconha. A liberação da maconha enfraquece o tráfico de drogas. Isso está provado por pesquisas.
A decisão de hoje do STF vai ajudar a reduzir a violência, impedir que se mande para os presídios milhares de consumidores da cannabis sativa e permitir que a polícia cuide de coisas mais importantes, como homicídios e estupros, boa parte deles cometidos por homens alcoolizados, a droga legalizada mais consumida no mundo.
Como escreveu hoje no UOL o Leonardo Sakamoto: "O STF não legalizou a maconha, só acabou com o 'privilégio' de ricos que fumam". Bingo!
Muito bom o texto. Mas acho que você deveria explicar o que significa Chapa branca... A maioria das pessoas de 50 anos pra baixo não conhecem o significado. Todo carro de militares e políticos usavam Chapa branca, isso começou a dar problema porque ficou evidente que esses carros eram usados para outros fins, quando centenas de esposas e filhos de militares começaram a ser denunciados flagrados fazendo compras, levando crianças em escolas, etc...