Ter o mundo na palma da mão. É isso que o smartphone possibilita. Mas será que estamos usando os dispositivos móveis a nosso favor ou nos colocamos a serviço das big techs? Atentos à necessidade de as pessoas se blindarem minimamente dos apelos do ambiente digital, psicólogos e psiquiatras tentam desenvolver táticas que possibilitem o uso da tecnologia de modo seguro para preservar a saúde mental dos usuários das tecnologias, em um mundo hiperconectado.
Tarefa cada vez mais desafiadora, especialmente em lugares como o Distrito Federal, onde um número elevado de pessoas tem acesso ao telefone celular. Segundo dados recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o DF é a unidade da Federação com o maior número de pessoas acima de 10 anos que possui um aparelho celular. Diante da possibilidade de superexposição ao universo digital, estaria a população do DF mais suscetível aos riscos de criação de hábitos pouco saudáveis?
O controle sobre o uso das redes sociais exige coragem individual e coletiva. Instagram, Facebook, Youtube, Whatsapp, X (antigo Twitter) são os ambientes mais adotados por usuários no momento. Outras opções já não são mais usadas. Outras virão. Porque as grandes empresas de tecnologia buscam incessantemente novas formas de aumentar o lucro. E assim, entre o que é disponibilizado pelas big techs e o que cai no gosto popular, o consumo de determinadas ferramentas vai se modificando ao mesmo tempo em que a adesão à tecnologia permanece crescente, beneficiando as empresas a cada acesso dos usuários às redes sociais.
No Brasil, uma das ferramentas mais utilizadas é o WhatsApp. Existem pessoas que, embora não sejam adeptas das redes sociais, usam o WhatsApp, seja para manter contato com familiares e amigos, seja para cumprir demandas profissionais. O servidor público Emanuel Assis é um dos raros casos de quem não costuma usar redes sociais, porque gosta de manter o anonimato, a privacidade, algo que não é possível para quem usa Instagram e X, por exemplo. Mas usa o WhatsApp, com a justificativa de que “substitui o telefone e me permite estar em contato com familiares e grupos de amigos sem que eu precise estar conectado todo o tempo. Prefiro mensagens, que posso olhar no momento que me convém. Se for algo urgente, são feitas chamadas de voz. Mas só se for urgente”, enfatiza.
Além de tentar proteger-se da consequente visibilidade para quem se expõe nas redes sociais, a opção de Emanuel Assis pelo uso do WhatsApp está baseada em um tipo de comunicação programada no qual a pessoa tende a se fechar em “câmaras de eco”, que são espaços nos quais os indivíduos tendem a se expor a conteúdos pelo viés de confirmação, com mensagens alinhadas aos próprios interesses, àquilo no qual eles acreditam ou se identificam. Se querem outras informações, fazem busca ativa.
Quando a troca de mensagens se torna excessiva, descartando a possibilidade de um simples telefonema, ou um encontro para um café, essa forma de comunicar-se pode gerar alguns problemas
Assim, enquanto o Facebook recomenda posts semelhantes àqueles com os quais a pessoa mais interage, o YouTube recomenda vídeos parecidos com outros que a pessoa gostou, o WhatsApp possibilita que o indivíduo se limite a câmaras fechadas. Pesquisadores chamam atenção para o fato de que, ao se restringirem a esses grupos pelo viés de confirmação, as pessoas tendem a se informar nesses espaços e, em alguns grupos, circulam informações distorcidas, como se pôde observar nos movimentos antivacina durante a pandemia da Covid-19. Para estudiosos de ambiência digital, isso impede o debate público saudável e faz com que o WhatsApp seja um ambiente problemático do ponto de vista da obtenção de informação crível e plural sobre temas de relevância social.
Assim como Emanuel Assis, muitas pessoas utilizam mensagens de texto e gravação de áudios para se comunicar por WhatsApp. Um hábito que, certamente, oferece algumas vantagens nas relações interpessoais. É um modo de se fazer presente, de dar informações breves. Mas quando a troca de mensagens se torna excessiva, descartando a possibilidade de um simples telefonema, ou um encontro para um café, essa forma de comunicar-se pode gerar alguns problemas: ansiedade, má postura, desconcentração, esgotamento físico e mental, mau uso da língua – embora linguistas valorizem a dinâmica da língua, identificam pobreza no vocabulário e muitas abreviações nas comunicações por mensagem de texto nas redes sociais.
No que diz respeito aos transtornos psíquicos provocados pelo uso descompassado da tecnologia, um grupo de psiquiatras liderado pela professora Carmita Abdo, da Universidade de São Paulo (USP), mapeou treze transtornos mentais ocasionados pelo uso abusivo da tecnologia. Além de mapear os distúrbios, o estudo “O impacto da tecnologia na saúde mental” aponta dez sugestões de como evitar cibercomportamentos, equilibrando o uso da tecnologia e a saúde mental (veja, abaixo, quadros ilustrativos com os transtornos e as dicas de como evitá-los). Com apoio do Laboratório Cristália, o estudo integra a campanha #cancele o estigma, não as pessoas.
É preciso ouvir o outro
Não seriam as redes sociais uma forma de preencher lacunas nas relações humanas? A psicóloga clínica Giovana Zadonai explica que a “falta de ser ouvido” tem sido uma queixa muito frequente das pessoas. E analisa que o ser humano necessita da troca com o outro, da comunicação. Giovana Zadonai defende que “é válido utilizar as ferramentas digitais pela facilidade e rapidez, mas nada substitui aquela boa conversa olho no olho em um encontro em lugar agradável regada a um cafezinho para os que apreciam. Conversar não só nos ajuda a processar os próprios sentimentos, como pode ter um efeito calmante de redução do estresse. Ou seja, faz parte do cuidado com a saúde mental”, garante.
Para a psicóloga, que atua há 15 anos em Brasília, uma das estratégias para prevenir os efeitos negativos do uso excessivo do WhatsApp é estabelecer um período de uso da ferramenta. Fora desse horário, deve-se ativar o modo silencioso. Além disso, é importante disponibilizar um tempo mínimo por dia para desenvolver atividades totalmente desconectadas, como praticar algum esporte, caminhar ao ar livre, ler ou ouvir música. Giovana Zadonai avalia que “estar hiperconectado pode provocar reações imediatistas que podem se expressar, por exemplo, no desejo de resposta imediata ou na expectativa e cobrança de que o outro esteja disponível 24 horas por dia. Esse hábito pode gerar sintomas de ansiedade e estresse que, a longo prazo, se intensificados, podem afetar a saúde como um todo”.
Em busca de métodos pessoais de uso da tecnologia
O jornalista Ailim Braz costuma usar as redes sociais, seguindo estratégias próprias de utilização das plataformas: “no dia-a-dia costumo usar o Instagram, o WhatsApp e o YouTube. No Instagram e no YouTube, acompanho principalmente perfis de veículos de comunicação, de jornalistas e de comentaristas políticos. Além, é claro, de perfis de amigos e conhecidos, principalmente no Instagram”, relata.
Já o WhatsApp Ailim Braz utiliza para o trabalho e para o contato com amigos e familiares. Acha difícil imaginar os dias de hoje sem essa ferramenta. E prefere se comunicar por mensagens: “a simples ideia de ter de telefonar para algum lugar ou alguém me gera um desconforto gigantesco”, assume. Só depois de esgotar todas as alternativas para tentar solucionar questões, inclusive usando mensagens por WhatsApp, recorre às chamadas telefônicas.
A desvantagem do WhatsApp é que ele passa a impressão de que estamos sempre disponíveis e de que temos a obrigação de responder imediatamente
O jornalista lembra, ainda, que o WhatsApp roubou o lugar e a importância dos e-mails e do telefone: confirmação de consultas, envio de documentos, encomendas, compras e até pagamentos podem ser realizados via WhatsApp. Ele observa, também, que o WhatsApp se tornou uma espécie de contato prévio autorizativo para a realização de uma chamada telefônica. Inclusive convencionou-se ser mais educado enviar uma mensagem pelo WhatsApp à pessoa com quem se deseja falar ao telefone, perguntando se ela pode e qual o momento mais apropriado para a chamada.
Para Ailim Braz, “a desvantagem do WhatsApp é que ele passa a impressão de que estamos sempre disponíveis e de que temos a obrigação de responder imediatamente. O que não é verdade”, diz. E descreve como soluciona o problema: “eu, particularmente, até para evitar a ansiedade, tento me policiar para não ficar acompanhando todas as mensagens que chegam e me organizo para respondê-las no momento mais conveniente para mim”.
Apesar dos mecanismos que adota, ele cede aos apelos das empresas de tecnologia, talvez sem se dar conta de que a opção pelo uso das redes sociais no celular pode afetar a própria postura física e mesmo as relações com pessoas do circuito afetivo que preferem o telefone às mensagens de texto ou voz no WhatsApp. Olhar o outro, ouvir suas carências e desejos parece ser sempre uma boa medida. Para além das seduções das empresas de tecnologia.
O fascínio que a tecnologia exerce sobre as pessoas exige o reconhecimento de que ela também possibilita muita coisa boa.
Só precisamos saber usufruir dos recursos disponíveis. Aproximação das pessoas fisicamente distantes, desenvolver algo conjuntamente de modo virtual, melhorar a qualidade visual de uma imagem... São tantas as riquezas que ela oferece... Se soubermos interagir, mantendo o controle de como, quando e onde usá-la, é sensacional!
Os 13 comportamentos mapeados por psiquiatras no estudo “O impacto da Tecnologia na Saúde Mental”
1. Gaming Disorder: condição reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que afeta indivíduos que excedem o uso dos games, sejam estes pelo celular, computador ou videogame.
2. Fomo (Fear Of Missing Out): medo de não conseguir acompanhar as atualizações.
3. Jomo (Joy Of Missing Out): prazer e contentamento em desconectar-se das redes sociais e atividades online, buscando momentos de paz e tranquilidade.
4. Nomofobia (No Mobile Fobia): refere-se ao medo extremo ou ansiedade de ficar sem o celular ou estar desconectado da tecnologia.
5. Selfitis: refere-se à obsessão de tirar selfies constantemente e compartilhá-las nas redes sociais, sendo considerado um comportamento compulsivo.
6. Phubbing: é a prática de ignorar a companhia de outras pessoas em favor do uso do celular, prejudicando a interação social presencial.
7. Vício em Tecnologia ou Dependência Digital: caracteriza-se pelo uso excessivo e compulsivo de dispositivos eletrônicos e tecnologia, afetando negativamente a vida diária e a saúde mental.
8. Síndrome do Texto Fantasma: refere-se à angústia de não receber resposta após enviar uma mensagem de texto ou ser ignorado, gerando ansiedade e insegurança nas relações virtuais.
9. Cyberchondria: é a tendência de pesquisar sintomas de doenças na internet, levando a uma interpretação exagerada e ansiosa dos resultados.
10. Fadiga de Decisão Digital: descreve o cansaço e a sobrecarga mental causada por ter que tomar constantes decisões relacionadas ao uso da tecnologia e às interações online.
11. Náusea Digital: desorientação/vertigem causada pelo excesso de interação com ambientes digitais.
12. Toque Fantasma: sensação de ouvir/sentir toques ou vibrações de celular quando o mesmo não está presente ou no silencioso.
13. Depressão Do Facebook: depressão causada por interações sociais (ou a falta) por meio das redes.
Dez dicas de como evitar cibercomportamentos
1. Estabeleça limites de tempo para o uso de dispositivos eletrônicos e redes sociais;
2. Pratique o autocontrole ao navegar na internet e evite o uso excessivo de redes sociais;
3. Desenvolva uma rotina equilibrada que inclua atividades offline, como exercícios físicos, hobbies e interações sociais face a face;
4. Priorize o tempo de qualidade com amigos e familiares em vez de se envolver apenas em interações online;
5. Seja seletivo sobre as pessoas que você segue ou com quem se conecta nas redes sociais para promover relacionamentos positivos;
6. Evite comparar sua vida com as vidas aparentemente perfeitas exibidas nas redes sociais;
7. Pratique a gratidão e o autocuidado, reconhecendo suas próprias realizações e valor pessoal;
8. Estabeleça limites claros sobre o compartilhamento de informações pessoais online para proteger sua privacidade e segurança emocional;
9. Seja crítico em relação às informações que você consome online e verifique sua veracidade antes de acreditar ou compartilhar;
10. Desenvolva habilidades de comunicação interpessoal offline para fortalecer relacionamentos pessoais e reduzir a dependência de comunicação digital.
Adorei a matéria, super completa. Uma estratégia que eu uso para limitar o tempo que passo no instagram é estabelecer um limite diário (45min) nas configurações do celular.
A matéria é bastante esclarecedora. Fiquei surpresa com o dado sobre o DF levantado pelo IBGE, também descobri que a minha mãe, que já era hipocondríaca, foi afetada pela Ciberchondria depois que passou a descobrir o mundo apresentado pelo celular. Parabéns pela matéria 🤗
Matéria necessária e atual, nos mostra o problema e ao mesmo tempo traz algumas soluções. Parabéns!
Excelente abordagem!
Um tema pra lá de importante.