Por Beto Seabra
Maria Cacilda Nogueira tem 65 anos e mora no Sol Nascente. Ela é diarista na Asa Norte. Numa quinta-feira dessas, quando chegava na Rodoviária do Plano Piloto para pegar o ônibus, reparou que nenhuma das escadas rolantes funcionava. Cansada e com cuidado, usou as escadas convencionais, mas quando chegou ao piso da Rodoviária ficou assustada com a quantidade de vendedores ambulantes no local.
- A Rodoviária está abandonada. Cada dia é um problema diferente, disse ela.
A saga de Maria Cacilda é igual a de milhares de pessoas que precisam todos os dias passar pela Rodô. Mas, além dos problemas tradicionais, os usuários do principal terminal rodoviário do Distrito Federal agora vão precisar lidar com mais um. Desde o ano passado o governo de Ibaneis Rocha vem tentando privatizar a Rodoviária de Brasília.
Para Maria Cacilda e outros usuários da Rodô, o governo está abandonando o terminal rodoviário justamente para poder vender mais fácil para a iniciativa privada.
Para essas pessoas, os usuários vão até gostar de ver a Rodô nas mãos de uma empresa, pois do jeito que está, pior não pode ficar.
- Mas quanto eu vou ter que pagar por isso? pergunta Maria Cacilda.
O processo de privatização estava avançado, mas em fevereiro deste ano o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) mandou paralisar tudo, a pedido do deputado distrital Gabriel Magno (PT). O parlamentar argumentou que a privatização deveria passar pela Comissão de Educação, Saúde e Cultura da Câmara Legislativa, o que não aconteceu. Segundo Magno, por se tratar de patrimônio público alcançado pelo tombamento da cidade pela Unesco, a Rodoviária não pode ser privatizada sem um debate mais amplo.
O GDF, por sua vez, apresentou alguns números para fortalecer seus planos. Segundo o site do governo, a empresa que vencer a licitação irá gerenciar cerca de 3 mil vagas de estacionamento. Os motoristas que quiserem guardar seus veículos no local após a privatização, deverão gastar até R$ 18,40 por seis horas.
Sabemos que a grande maioria dos que usam os estacionamentos da Rodoviária são pequenos comerciantes, trabalhadores, consumidores ou profissionais liberais que trabalham no Setor de Diversão Norte ou Sul. Será que essas pessoas estão cientes desse gasto diário?
Segundo a Secretaria de Mobilidade do GDF, são estimadas 2.724 vagas em toda a área privatizada da Rodoviária do Plano Piloto, o que deve gerar uma receita anual de R$ 12,6 milhões só com o estacionamento, sem contar outros serviços que devem ser entregues à iniciativa privada com o tempo.
Opositor lembra que Ibaneis prometeu não privatizar nada, em 2018
Foto: Denise Caputo – Agência CLDF
Em seu perfil nas redes sociais, o deputado Gabriel Magno informou que pretende continuar trabalhando contra a privatização da Rodô.
- Ibaneis afirmou em 2018 que não haveria privatizações em seu governo, mas desde que foi eleito vende todos os dias uma parte da nossa cidade para amigos e interesses pessoais, escreveu Gabriel Magno.
Ele lembrou que o governador já privatizou a saúde com os Iges (Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal), vendeu a CEB, que virou Neoenergia, e pretende privatizar o Metrô e o centro da cidade, incluindo a Rodô. “Mais de 650 mil pessoas passam pela Rodoviária diariamente”, lembrou. Para ele, o GDF quer vender o nosso patrimônio público a preço de banana, e ainda assim aumentar a carga de impostos e gastos da população.
O GDF informou que vai recorrer da decisão do TCDF e que a privatização da Rodoviária atende interesses dos usuários.
“Queremos garantir mais eficiência e segurança para os usuários da Rodoviária. Com a gestão privada, buscamos oferecer um espaço que atenda às necessidades e às expectativas da população que usa diariamente o local. Vale lembrar que o modelo de prestação de serviço é semelhante ao da Rodoviária Interestadual do DF, que deu muito certo”, defende o governador Ibaneis Rocha.
Alguns urbanistas, no entanto, acreditam que existe uma diferença grande entre a Rodô e a Rodoviária Interestadual. Enquanto a segunda serve a passageiros que irão viajar para fora do DF, em momentos únicos e espaçados, a Rodô é espaço central de uso diário e contínuo e sua privatização poderá afastar ainda mais a população com menos recursos do centro da cidade.
ATUALIZAÇÃO: Em outubro de 2024 o GDF conseguiu derrubar a decisão do TCDF e o processo de privatização da Rodoviária foi retomado.
Lúcio Costa pensou a Rodoviária como centro urbano da capital
Foto: Agência Nacional
A Rodoviária de Brasília foi inaugurada em 12 de setembro de 1960. Marco Zero da Nova Capital, ponto de cruzamento entre os Eixos Rodoviário (Norte-Sul) e Monumental (Leste-Oeste), que determinam o traçado do Plano Piloto de Brasília, a Plataforma Rodoviária foi pensada para ser o centro urbano da Capital.
O urbanista Lúcio Costa, no Relatório do Plano Piloto, propõe sobre a Plataforma um mirante, área aberta de predomínio do pedestre, que relaciona os diversos equipamentos de lazer e comércio ali previstos originalmente:
“A face da plataforma debruçada sobre o setor cultural e a esplanada dos ministérios não foi edificada com exceção de uma eventual casa de chá e da Ópera, cujo acesso tanto se faz pelo próprio setor de diversões, como pelo setor cultural contíguo, em plano inferior”.
(Lúcio Costa, Relatório do Plano Piloto)
Privatizar a Rodô certamente não estava nos planos de Lúcio Costa, afinal, o urbanista via a região como área de livre acesso e ampla circulação de pessoas de todas as classes sociais. (BS)
Eu nem sou contra cobrar de estacionamento. Mas desde que isso fizesse parte de um projeto maior para melhorar o transporte público. Quem sabe até com a implantação da tarifa zero. Mas da forma que o Engneis tá fazendo é só negócio!
Caramba. Eu me lembro que estacionava de graça na Rodoviária com meu fusca Virgulino. Amigo da campanga de Lula em 1989 na Ceilândia. Quando näo tinha o carrinho, recém chegada de Recife, era o único lugar no Plano que eu via povo, via minha gente. Ana Paula Candeas.
Privatizar é o modo mais fácil de resolver o problema da Rodoviária. Mas será que é o melhor? Quase não transito por lá, mas imagino que a vida vai ficar mais cara para os que usam ela todos os dias.