A aprovação pela Câmara Legislativa do DF, no último dia 19.06, do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), causou surpresa e indignação em muita gente. Apesar da proposta estar em discussão há mais de 15 anos, sua aprovação nas comissões da Câmara foi rápida e, no Plenário, ainda mais ligeira. No início de junho, quando aconteceu o lançamento do número 1 do W3 Jornal, portanto dias antes da aprovação do PPCUB, nós alertamos para as mudanças que iriam acontecer e que poderiam por em risco a preservação de Brasília e mesmo o tombamento da cidade pela Unesco.
Hoje, reproduzimos aqui no site, ainda em construção, a matéria publicada pelo jornal em papel, na expectativa de ajudar no debate. Mesmo aprovado pela CLDF, o PPCUB ainda pode ser vetado pelo Executivo (o que achamos difícil), ou barrado pelo Poder Judiciário.
PPCUB: O que é isso e como ele vai interferir na sua vida
A sigla é muito falada e pouco conhecida. E o que ela quer dizer tem tudo a ver com a vida de quem mora ou trabalha em Brasília. Especialmente no Plano Piloto, mas também no Cruzeiro, nos Lagos Sul e Norte, no Sudoeste, Noroeste, na Candangolândia e no Setor de Indústrias Gráficas (SIG). Ou seja, em todas as regiões tombadas do Distrito Federal, desde que a Capital da República, em 1987, foi considerada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) patrimônio mundial da humanidade.
Brasília compõe um seleto grupo de monumentos tombados em todo o mundo e está ao lado da Muralha da China, das pirâmides do Egito e de Atenas. Não é pouca coisa, concorda?
Pois o PPCUB, ou Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, que foi aprovado pela Câmara Legislativa do DF, pode permitir que essa Brasília que conhecemos hoje seja bastante modificada para atender interesses comerciais e políticos.
O PPCUB é um instrumento regulatório essencial que abrange todas as normas de ordenação urbanística e preservação de Brasília. Este plano inclui mecanismos de proteção do patrimônio, normas de uso e ocupação do solo e estabelece diretrizes para o desenvolvimento, qualificação, modernização e complementação sustentável do conjunto urbano de Brasília.
O W3 Jornal relacionou aqui algumas opiniões sobre o PPCUB, a partir de duas audiências públicas realizadas na Câmara Legislativa. E, para apimentar o debate, relacionamos alguns questionamentos feitos pelo jornalista Chico Sant’Anna, que em abril, quando a cidade completou 64 anos, publicou um artigo alertando para os perigos que a proposta do PPCUB apresentada pelo Governo do Distrito Federal representam para a capital tombada.
Mobilidade urbana
“Debater o PPCUB com a população é crucial para garantir um ordenamento urbano que respeite a preservação do patrimônio, assegure a qualidade de vida dos cidadãos, preserve as áreas verdes, crie espaços públicos acessíveis e promova uma mobilidade urbana eficiente”, destacou o presidente da Comissão de Educação, Saúde e Cultura, deputado distrital Gabriel Magno (PT), em audiência pública realizada no dia 15 de maio.
Para Gabriel Magno, da forma como foi proposto, o projeto apresentado pelo GDF tem contornos de um plano de investimento, quando deveria priorizar aspectos importantes de acesso à cidade e da preservação das características que renderam a Brasília o título de Patrimônio da Humanidade, garantido pela Unesco. Ele advertiu que a preservação do conjunto urbanístico da cidade não impede o desenvolvimento local.
Falta preservação
Para o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, Benny Schvarsberg, o projeto do governo carece de mais conteúdo relativo à preservação. “Prevalece a função de plano de uso e ocupação do solo em detrimento ao plano de preservação”, disse Benny.
José Leme Galvão Júnior, do Fórum das Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro, também criticou a falta de dispositivos de preservação na proposta do governo. “Não reconhecemos nesse projeto um plano de preservação”, afirmou.
A professora Angelina Nardelli, do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do DF, também apontou deficiências no projeto. “Ainda não foram apresentados os planos de preservação. Esse projeto ainda não está pronto. Ele não responde a uma política ativa da gestão do território, sua conservação e restauro”.
Em defesa do PPCUB
Já a promotora Marilda Fontenele comentou durante a audiência pública que não viu inconstitucionalidades no projeto do GDF. “O que vejo nesse plano é a regularização de uma série de irregularidades”.
“Faço um apelo ao Legislativo: não deixem uma questão tão cara para Brasília desaguar no Judiciário, pois a decisão judicial nem sempre atende aos anseios da sociedade como um todo”, disse ela.
O deputado distrital Thiago Manzoni (PL) também defende a proposta do GDF. “O PPCUB talvez seja o projeto de maior relevância para a população a ser votado este ano. Brasília aguarda há anos por esse Plano, e temos a oportunidade de dar uma resposta nesta legislatura”, apontou o distrital.
A expectativa, de acordo com o distrital, é assegurar a segurança jurídica “para que Brasília se desenvolva, cresça, com os cidadãos sabendo quais são as regras do jogo e os parâmetros válidos para esse desenvolvimento e crescimento”.
O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação do DF, Marcelo Vaz, explicou que o PPCUB contempla plano de preservação; normas de uso e ocupação do solo, e plano de desenvolvimento local. Ele afirmou que preservar o patrimônio não significa “engessar” a cidade: “Pelo contrário, a preservação tem de estar aliada ao desenvolvimento ordenado e sustentável”.
“Não estamos alterando parâmetros que possam ferir o tombamento da cidade. Estamos mantendo esses parâmetros e deixando-os cada vez mais claros”, disse o secretário, que ainda acrescentou: “Para que todos os cidadãos e empresários saibam o que pode e o que não pode ser feito”.
Meio termo
“Essa não é uma discussão nova, o projeto está sendo discutido há mais de 15 anos. Teve um momento em que ele estava pronto para ser votado, mas entrou numa fase eleitoral, e foram colocados alguns 'jabutis'", lembrou o deputado Chico Vigilante (PT). O parlamentar garantiu que estará atento ao texto e registrou que o PPCUB não diz respeito apenas ao Plano Piloto, abrangendo também o Cruzeiro, os Lagos Sul e Norte, o Sudoeste, a Candangolândia e o Setor de Indústrias Gráficas (SIG).
O 1º vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF), João Accioly, também rememorou as várias etapas da construção do projeto de lei complementar. Em sua opinião, o PPCUB trará clareza e segurança jurídica: “O desenvolvimento ordenado é fundamental para garantir a preservação do patrimônio”.
De acordo com o secretário de Habitação, Marcelo Vaz, uma novidade trazida pelo projeto de lei complementar é a diversificação de usos em algumas áreas. “O parecer do Iphan de 2019 deixa claro: a melhor forma de preservação é a ocupação ordenada, é a diversificação de usos, trazer a sociedade para cuidar do que é dela”.
O que fazer com o Setor Comercial Sul divide opiniões
Com a crise econômica e o teto de gastos do governo Temer, que impactou nas políticas públicas, e a chegada da pandemia de covid-19, muitos moradores de rua passaram a viver no Setor Comercial Sul (SCS). Isso cresceu a insegurança no local e espantou lojistas e consumidores. Mas um trabalho importante para contornar o problema também vem sendo feito por organizações não-governamentais (ONGs), como o Café com Escuta, que busca criar vínculos com os moradores de rua da região para tentar tirá-los da situação.
A prefeita do SCS, Niki Tzemos, defendeu durante a audiência pública do PPCUB a diversificação dos usos econômicos do local como “o primeiro grande passo para requalificar a área, que precisa voltar a ser uma área povoada por empresas que criam emprego e renda para nossa população”.
“É uma área extremamente importante para Brasília: por lá passam 200 mil pessoas por dia e, permanentemente, uma população fixa de 55 mil pessoas, é maior que muitos municípios”, destacou Tzemos. Ela também defendeu a transferência do Centro de Atenção Psicossocial (CAPs) para outra localidade e pediu que o governo priorize o SCS no processo de remoção daqueles em situação de vulnerabilidade.
Erivan Araújo, vice-presidente da Fecomércio disse que “tombar não significa abandonar”: “O SCS é uma área nobre da cidade, um ponto que seria turístico e onde, infelizmente, não se consegue andar, dependendo do horário”. Segundo informou, a iniciativa privada “anseia” pela aprovação do PPCUB: “Os empresários estão só esperando a aprovação desse projeto para investir naquela região”.
Outro lado
O Movimento da População de Rua do DF acusa o GDF de não fazer a parte dele. Segundo Joana Basílio, que pertence ao movimento, para revitalizar o SCS é preciso investir mais em políticas sociais. Segundo ela, não adianta tirar a população de lá e jogar em outro lugar, pois o problema apenas mudaria de localização.
Segundo Joana, o Centro Pop de Brasília, por exemplo, feito para atender 150 pessoas por dia, recebe mais de 600. Joana foi moradora de rua por 10 anos e diz que mudou de vida em 2013, durante o governo Agnelo Queiroz (PT), quando recebeu apoio de um serviço de assistência social do governo.
Com o desinvestimento na área social a partir de 2016 (ano em que foi criado o teto de gastos pelo governo federal), a população de rua cresceu, o que piorou com a pandemia. Hoje calcula-se que o DF possua mais de 7 mil pessoas morando nas ruas, boa parte no SCS.
Jornalista alerta para liberação do cabeamento aéreo no Plano Piloto
Para o jornalista Chico Sant’Anna, faltam ao PPCUB apresentado pelo GDF regras, instrumentos e penalidades que preservem o Conjunto Urbanístico de Brasília (CUB).
“Não há, por exemplo, nenhum artigo que fixe multa para quem não respeitar a lei, ou mesmo o órgão que vai fazer valer os ditames da preservação”, afirmou.
E citou um exemplo. “O texto abre exceções como excluir a proibição da instalação de cabeamento aéreo nas vias W2, W4, W5, L2, L3 e L4, além da Epig, Epia e ESPM, dentre outras. Essa licenciosidade só interessa às empresas de energia, telefonia, internet, fibra ótica e o que mais inventarem no futuro”, denunciou.
Sant’Anna lembrou que a impermeabilização do solo no Noroeste e nas imediações do Mané Garrincha causa inundações na UnB e nas tesourinhas da Asa Norte. “Milhões estão sendo gastos com redes de escoamento. Mesmo assim, o PPCUB propõe mais impermeabilização do solo”, afirmou.
Menos praças e mais prédios
Chico Sant’Anna faz mais um alerta.
“Na Asa Norte, nas EQNs 703/704, 707/708 e 709/710, o que deveriam ser praças, como na Asa Sul, tem previsão de serem transformadas em lotes para edifícios. A ociosidade de imóveis na W3 Sul e Norte é imensa. Não demanda novos prédios, ainda mais onde deveriam existir flores. É necessário um plano de revitalização, do qual o PPCUB não trata”.
Ainda segundo ele, o PPCUB também não prevê medidas de preservação dos sítios históricos que abrigaram os candangos, como as vilas Telebrasília e Planalto. “Alvos da cobiça imobiliária, poderão virar suas vítimas fatais, se não forem adotados mecanismos que assegurem perpetuar o pouco que ainda resta do tempo da construção”, denuncia.
Metrô na Asa Norte
Outro problema apontado por Chico Sant’Anna é a expansão do metrô para a Asa Norte, que não aparece no PPCUB.
“Só existem estações demarcadas na Asa Sul, com uma menção dizendo que deverão ser padronizadas, todas iguais, salvo a que vier a ser construída na Galeria do Trabalhador, nas imediações do Setor Comercial Norte”, alerta.
Segundo ele, o VLT e suas estações também não são demarcados no projeto. “A proposta do VLT, que já está no TCDF, provoca uma transformação física do canteiro central da W3, onde surgiria o que foi denominado ‘Ramblas do Cerrado’, em alusão ao passeio público de Barcelona.
“Nela, além das estações das estações do VLT, seriam instaladas unidades comerciais, cuja receita reverteria ao concessionário. Uma alteração da proposta de Lucio Costa e que pode impactar o já combalido comércio da W3. No lugar de revitalizar, o VLT pode vir a ser a pá de cal à economia da avenida”, disse Sant’Anna.
A perspectiva de um Trem Regional, ligando Brasília ao Entorno – em estudo no Ministério dos Transportes – também não é considerada no PPCUB.
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