A saúde começa na mesa. Ou melhor, na plantação. Em lugares como Brasília, onde as pessoas têm acesso com mais facilidade a alimentos saudáveis a preços razoáveis, os bons hábitos alimentares naturalmente passam a fazer parte da cultura local. São mais de setenta feiras de produtos orgânicos funcionando. O governo federal vem romovendo incentivos para que essa tradição em Brasília seja um traço do país. A isenção de impostos para a nova cesta básica e a parceria com estados para subsidiar a agricultura familiar são algumas dessas medidas, que certamente vão ajudar o brasileiro a viver com mais saúde. Quem mora em Brasília sabe dizer por quais razões o lugar é considerado vanguarda no quesito produtos orgânicos. Nas cidades satélites e no Plano Piloto essa realidade se confirma. O feijão em Brazlândia, o trigo no Paranoá, a carne de ovelha em Ceilândia e o mel de Planaltina são alguns destaques da produção de alimentos saudáveis que são acessíveis à população, rendem empregos e fazem Brasília ser autossustentável.
Em um passeio pelas quadras do Plano Piloto as pessoas se deparam com uma diversidade de ofertas de alimentos saudáveis a preços razoáveis. São bancas de produtos da agricultura familiar e feiras que reúnem vários produtores (especialmente às quartas-feiras e aos sábados), restaurantes e empórios em praticamente toda a extensão da capital federal. Até mesmo a Ceasa tem uma estrutura singular, valorizando esse tipo de produção. É justamente na Central de Abastecimento do Distrito Federal que funciona o Atacado de Orgânicos, fornecendo aos supermercados produtos certificados com preços mais baixos.
O acesso com mais facilidade a essa variedade de alimentos orgânicos no Distrito Federal não é algo novo. O manejo sustentável de alimentos é uma tradição na capital do país. Faz parte do planejamento da construção de Brasília, na década de 1960.
Foto Mauro Sampaio
O presidente Juscelino Kubitschek fazia questão de incentivar o desenvolvimento da agricultura na região. Para isso, se cercava de especialistas na área, buscando modelos que deram certo ao redor do mundo, ao mesmo tempo em que valorizava as riquezas naturais e incentivava a instrução de agricultores a buscar uma lavoura mais saudável, orgânica, com investimento em técnicas para o cultivo. Foi assim que pesquisadores e professores da Universidade de Brasília (UnB) tiveram apoio e desenvolveram técnicas para explorar áreas dos mananciais e preservação da água na produção de hortaliças e grãos, frutas e exploração dos campos de pastagem.
Outra medida do presidente JK para incentivar a produção de alimentos saudáveis e acessíveis foi convidar famílias nipônicas a participar do processo de formação do cinturão agrícola no Distrito Federal. Isso porque os japoneses têm, culturalmente, uma preocupação legítima com a qualidade da comida que é colocada à mesa. Desde a qualidade dos ingredientes, que devem ser saudáveis e ricos em vitaminas e sais minerais, à consciência de que devem ser livres de agrotóxicos, sempre que possível. A cultura japonesa desmistifica a ideia de que produto orgânico está associado apenas à ausência de agrotóxicos. Não é só isso. Há um conjunto de medidas que asseguram a qualidade dos alimentos e que se colocam como linha de frente na produção e oferta dos produtos que fazem parte da alimentação saudável à qual o brasiliense tão facilmente tem acesso.
O que define o alimento orgânico?
Para que o alimento seja considerado orgânico, é necessário que o processo produtivo contemple o uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais, respeitando relações sociais e culturais, como explica o estudioso da cultura orgânica, Manoel Pereira Borges. São critérios estabelecidos no início dos anos 2000 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Só depois de verificar rigorosamente se o alimento é, de fato, natural e livre de alterações químicas, o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SisOrg) concede um selo de garantia de que o alimento está livre de alterações químicas.
Pesquisa da Organis (Associação de Promoção dos Orgânicos) revela que os produtos orgânicos vêm crescendo firmemente no Brasil. Um crescimento de mais de 60% entre 2022/2023. Para o engenheiro florestal e produtor de orgânicos no Distrito Federal, Joe Valle, esse aumento no consumo de alimentos saudáveis se fortaleceu durante a pandemia porque, segundo observa, em situações de pânico, a população começa a prestar mais atenção na própria saúde e na saúde do planeta.
Foto Beto Seabra
Ambientalista, Joe Valle lembra que “as mudanças climáticas e ambientais têm feito as pessoas despertarem para a sustentabilidade a partir do que levam à mesa, procurando alimentos saudáveis, evitando alimentos processados. Como mostra a pesquisa Organis, durante a pandemia as pessoas se voltaram para uma alimentação mais natural, especialmente para os produtos orgânicos e, ao que tudo indica, buscam manter esses hábitos mais saudáveis”, observa Joe Valle.
O despertar de uma consciência coletiva
Segundo dados levantados pela Plataforma Terra Analytics (plataforma de inteligência territorial), na tragédia ambiental que assola o Rio Grande do Sul, 82% das propriedades rurais atingidas são da agricultura familiar. Uma triste estatística que
compromete o esforço de construção de um projeto de desenvolvimento de uma política voltada para uma cultura que valorize as classes menos privilegiadas e alerta para a necessidade de mudanças na matriz de um modelo competitivo para construir uma sociedade mais sustentável.
Esse cuidado demanda um esforço conjunto entre a sociedade civil e o poder público, que se distancie de pensamentos que negam as situações climáticas e ambientais, como a tragédia que está acontecendo no Rio Grande do Sul e outras ao redor do mundo.
É nessa direção de uma política de combate ao negacionismo que o governo brasileiro tem priorizado políticas públicas que busquem criar as condições necessárias para que as pessoas vivam com dignidade e tenham acesso a uma alimentação segura e de qualidade, a exemplo da proposta de reforma tributária, em tramitação no Congresso, que inclui a implementação de uma nova cesta básica que desonera alimentos saudáveis e onera em parte os ultraprocessados, priorizando comida de qualidade a preços acessíveis.
Também há programas que buscam garantir a segurança alimentar para estudantes, inclusive universitários, e beneficiam pequenos agricultores em todo o país, que recebem subsídios e passam a fornecer os alimentos para as instituições de ensino. Esse movimento por uma alimentação saudável acessível a toda a população e a conscientização sobre a urgência de mudança de comportamento conta também com iniciativas de empresários que buscam contribuir para uma transição no conceito de uma socidade coletiva construída em redes. Um exemplo desse tipo de ação é a uma parceria da fazenda Malunga, criada por Joe Valle, para construção de hortas orgânicas sustentáveis nas escolas públicas do Distrito Federal, um movimento para a formação de jovens, com o propósito de ensinar o que é produção sustentável e a viabilidade dessa cultura.
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