Texto e fotos de Beto Seabra
Moradores do Lago Norte ocupam área preservada para pedir fim de projeto imobiliário que o GDF quer empreender na região
Há exatos 22 anos o Governo do Distrito Federal criou o Parque Ecológico das Garças, localizado na Região Administrativa do Lago Norte. O Decreto 23.316, de 25 de outubro de 2002, é simples e seco. Em apenas sete artigos cria o parque, define seus objetivos e as competências de quem irá administrá-lo.
Passadas mais de duas décadas, o Parque corre sério risco de virar outra coisa. O mesmo GDF apresentou proposta que afeta a área preservada do Parque das Garças por meio do projeto Orla do Lago Paranoá. Segundo o Movimento em Defesa do Parque das Garças, formado em sua grande maioria por moradores do Lago Norte, a pretensão do GDF visa "a criação de 5 lotes para comércio e serviços, além de área de estacionamento para mais de 300 carros e outras intervenções urbanas, em terreno vizinho ao Parque, situado entre este e o Clube do Congresso".
O Parque das Garças não é muito grande, mas é de uma beleza cênica impressionante, por ficar na ponta da Península do Lago Norte. Possui dezenas de espécies de pássaros e mamíferos e uma cobertura vegetal que ajuda a manter a fauna da região. É tão bonito que virou ponto de passeio para moradores de todo o Distrito Federal. Mas, essa mesma beleza, está atraindo a atenção da especulação imobiliária.
Algumas dezenas de bravas e bravos moradores do Lago Norte e imediações se encontraram neste domingo (20) no Parque das Garças para defender a preservação do lugar e repudiar a proposta do GDF. E eles não estão sozinhos. Um abaixo-assinado que pede o fim do projeto imobiliário e a demarcação definitiva do Parque já colheu mais de 15 mil assinaturas de moradores de Brasília.
No texto, eles pedem inclusive a ampliação do Parque das Garças, pois ainda existem áreas da orla do Lago Paranoá vizinhas ao Parque que estão desocupadas e que poderiam fazer crescer a zona de proteção ambiental.
Os edifícios que o GDF quer construir na região podem ter até 11 metros de altura. Inicialmente, a ideia era ocupar cinco lotes, de uma área total de 53.185 metros quadrados, incluindo os estacionamentos. O projeto foi refeito e a área a ser ocupada seria de 6.202 metros quadrados, segundo a Terracap.
Entretanto, Marcos Zimbres, arquiteto e morador do Lago Norte, discorda desse cálculo do GDF.
“O desenho da Terracap é incompleto e preocupante, também, porque prevê uma área pequena de estacionamento interno, que, se for comparada ao estacionamento do Pontão Sul, teria que ser aproximadamente 5 vezes maior. E essa área de estacionamento não cabe dentro do terreno da Terracap, ao lado do Parque Ecológico das Garças", disse.
Para Zimbres, a Terracap já disse que conta com o DER, que planeja construir essas vagas sobre a faixa de domínio, na pista principal do Lago Norte, derrubando árvores e impermeabilizando o solo.
"Ou seja, o poder público fazendo obras de impacto ambiental, para viabilizar um empreendimento particular, que o Movimento em Defesa do Parque das Garças não aceita”, concluiu o arquiteto.
Olhos D'Água e Taguaparque
O ex-deputado distrital Geraldo Magela (PT) é morador do Lago Norte e também esteve no ato realizado neste domingo. Autor das leis que criaram o Parque Olhos D'Água, no final da Asa Norte, e o Taguaparque (no Pistão Norte de Taguatinga), ele criticou a visão comercial e imobiliária do GDF. "Nós precisamos de um plano de manejo para o Parque das Garças, que crie a infraestrutura de um parque, como ciclovias e banheiros adequados, mas não precisamos da urbanização do parque, que a especulação e a Terracap querem", disse Magela.
Impactos permanentes
A geóloga Cristina Mafra, que também participou do ato em defesa do Parque, fez uma rápida exposição durante o evento mostrando os impactos que a proposta do GDF poderá causar à região. "Nos empreendimentos, os impactos são sempre minimizados. E às vezes empreendimentos em áreas consideradas pequenas (como é o Parque das Garças) trazem impactos permanentes e cumulativos, que somados a outros impactos promovem danos sérios a toda a região", disse.
Cristina Mafra acredita que o projeto de urbanização na ponta do Lago Norte poderá criar os seguintes impactos permanentes na região: afujentamento da fauna natural e chegada da fauna urbana (baratas e escorpiões, por exemplo) e alteração do habitat; impermeabilização do solo e redução da recarga do aquífero; redução da evapotranspiração; e redução do conforto térmico. Sem contar o aumento do ruído da região, pois além dos prédios e automóveis, o projeto do governo pretende atrair para a região centenas de lanchas e jet skis, pois haverá uma espécie de "ponto náutico" na região. Os moradores também temem que o lugar vire espaço para grandes eventos e megashows.
Em tempos de aquecimento global, secas cada vez mais prolongadas no Centro Oeste e, de forma aparentemente contraditória, mais enchentes, causadas pela crescente impermeabilização do solo de Brasília, a preservação do Parque das Garças passa a ser uma decisão estratégica para o equilíbrio ambiental de todo o Distrito Federal.
Estive no ato e gostei da participação da comunidade. Claro que pode ampliar, sempre. A deputada Erica Kokay sugeriu a criação de um grupo para defesa dos parques do DF. Inclusive lutar para que todas as RA's tenham parques. Quanto mais melhor! As novas gerações agradecem!
É preciso, mesmo, reagir a essas atrocidades. Viva Brasília e suas riquezas naturais.
Tem projeto para construir pelo menos uma ponte no Lago Norte,e já devem estar de olho na valorização do local
Temos que salvar as poucas áreas verdes que ainda sobraram no plano piloto, a fauna e flora do cerrado é mais importante que os interesses imobiliários. Belíssimo texto!